Uma bela de uma sandocha




E aqui estou mais uma vez para registar a vicissitude do dia. Há pouco, saí de casa para ir ao veterinário com a minha Lolitinha, por conta de uma otite renitente. 
Que diabo, o David, um cãozinho preto muito querido e simpático, a quem os moradores da rua por onde costuma andar, fizeram uma barraquinha toda pitoresca, com duas dependências, uma delas é uma espécie de alpendre, de porte desempenado  e garboso, anda todo pimpão por aí, ao sol e à chuva e, aparentemente, anda cheio de saúde, nada o deita abaixo. 
Há uns tempos, num dia chuvoso e bastante desagradável, vi-o sentado no chão frio da rua, à  chuva, mas todo ele era descontracção, como se nele os pingos frios fossem carícias. A minha Lolita, assim que o viu inteiriçou-se e toda ela se saracoteou, exultante de alegria. Só faz isto com ele... 😕😕 Há para ali um fraquinho naquele coraçãozinho. Creio sinceramente que ainda desconhecemos muito sobre os animais, estou até convencida que há uma epistemologia dos animais 😔😔

Já a minha Lolita, ela é saquinhos eléctricos de aquecimento, ela é mantinhas quentinhas e fofinhas, ela é capinhas para a chuva e camisolinhas  por todo o lado e, mesmo assim, arranja-me uma otite!! 

Bem, depois do veterinário, e já que me tinha feito à rua, quebrado o isolamento social por uma boa causa, decidi ir ao pão. Estava-me a apetecer uma valente e real sandocha, dessas com tudo, e mais alguma coisa. 

E, mais uma vez me deparei com uma circunstância que me irrita solenemente. As pessoas estão numa fila à espera da sua vez, durante uns bons minutos, com tempo mais do que suficiente para, perante o pão que se encontra exposto na vitrina,  decidirem o que pretendem. 

Mas nem sempre assim  acontece. 

Frequentemente, chegada a vez da pessoa, parece que ainda não sabe o que quer. Pede um determinado pão, quando lhe é dito que já não há, segue-se um período de alguma desorientação, apesar de ter ao alcance dos olhos variadas qualidades de pão. Por fim, depois de não sei quantas perguntas e hesitações lá se decide por outro, ou outros, mas tem de escolher o formato, a cor e o raio que a parta!... 

-Quero aquele ali.
 Mas como a funcionária da padaria está no outro lado da vitrina, de um ângulo diferente não consegue perceber de imediato de qual pão a cliente se encantou. E o restante pessoal na fila, que continua à espera, cada vez com mais medo da COVID-19, a começar a ficar impaciente com esta merda!

Tudo isto pode ser hereditário, um comportamento herdado. Digo isto porque, sem disso muitas vezes termos consciência, tendemos a repetir padrões familiares. O padrão conhecido, é o navegar no conhecido. 
Li não sei onde que a hereditariedade do cancro, ou outras doenças relacionadas com a alimentação, não se deverão tanto ao factor genético, mas antes ao facto da filha, ou dos filhos, repetirem o padrão alimentar dos pais, como por exemplo, a forma de temperar, mais salgado ou menos salgado, mais gordura ou menos gordura, etc, etc.  

No entanto, apesar dos exemplos e das fortes influências, os percursos de vida e suas circunstâncias podem levar os filhos a divergirem substancialmente das tendências familiares. Digo isto porque me lembro da minha mãe fazer exactamente a mesma cena, que refiro acima. Só que ela fazia isto não na padaria, mas no talho.
E tinha razão. 
Eram outros tempos.

Tempos  de miséria, em que mal se ganhava para comer. Chegada a vez dela no talho, tinha que fazer ali, em poucos minutos, muita engenharia financeira, que implicava alguns pedidos de conselhos ao talhante, para poder esticar ao máximo os magros recursos. Quando o dinheiro é escasso tem de se pensar muito bem. 
Curiosamente, apesar de cada vez mais me reconhecer  parecida com a minha mãe, com orgulho até, nesse aspecto não lhe quis seguir as pisadas. Sei exactamente aquilo que quero trazer para casa. Enquanto espero a minha vez  averiguo qual o tipo de pão que se encontra exposto na vitrina. A maior parte das vezes só quero pão de alfarroba, é mais calórico, mas tem a vantagem de satisfazer mais e não faz inchar. Se vejo que não há recorro sem mais delongas ao meu plano B, peço o pão de mistura também de alfarroba. Se porventura e azar meu, não houver nem um nem outro, então, serve-me um qualquer. Se é para ficar inchada, qualquer um serve, desde que seja perfeito para uma sandocha. 


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