A Máscara Infernal








Ontem fui ao Lidl.
Ainda não tinha estacionado o carro e já vislumbrava uma enorme fila de gente, que ali aguardava a sua vez de entrar. O meu primeiro impulso foi logo fazer uma viragem de 180º  e ir-me embora. Mas, logo conclui que, afinal,  tempo tenho eu agora e até demais. De maneira que, mais resignada, saquei da minha máscara caseira,  que eu fiz em casa com panos meus e tomei o meu lugar na fila. 

Entretanto, para matar o tempo, tentei distrair-me entregando-me  aos meus pensamentos. Estava nisto, muito entretida, mas  já à rasca das orelhas, por causa dos elásticos da máscara um bocado curtos quando, subitamente,  reparei  num indivíduo a meio da fila que se fartava de falar para um outro que também esperava na fila um lugar atrás. Aquilo parecia uma máquina falante com a carga toda...
Mas, o que me começou a inquietar bastante não foi tanto  a tagarelice, mas antes as consequências dela. Ocorreu-me de repente a ideia de que, aquele indivíduo sempre a falar, estava sem se dar conta, a expelir para o ambiente em seu redor, toda uma parafernália de agentes orgânicos indesejáveis, como sejam os perdigotos, cuspo e até, no cúmulo do azar para os outros, o malfadado coronavírus, caso estivesse infectado.

Porra!

Mas a porra maior é que eu tive a plena consciência de que, conforme as pessoas iam avançando, eu que antes estava cá para trás, a uma distância segura do tagarela, agora também ia avançando e ocupando os espaços onde ele antes tinha estado, logo, com partículas, gotículas e o hipotético vírus a pairar no ar! Pus-me a pensar, mau grado meu, que de pouco me valia a máscara se aquelas partículas podiam ficar agarradas à minha roupa, ao meu cabelo e em todos os interstícios possíveis e imaginários.

Isto é preocupante. Se é verdade o que nos têm vindo a dizer aos poucos, que o vírus pode ser expelido através de diversas formas incluindo a fala, então, também já não é seguro estar em filas, desde que não sejam respeitadas regras básicas: além de não cuspir, não tossir sem tapar a boca com um lenço ou o braço, também  não se deve FALAR! 

Quanto à máscara tenho duas  coisinhas a dizer: para já, a primeira é que acho que as pessoas dentro do supermercado olham mais para mim quando estou com a máscara do que sem ela. É que a máscara é o símbolo, a marca da doença. Ofende a vista, faz com que caiamos na realidade, na terrível realidade. Uma pessoa sente o olhar do outro, que ficou em alerta com a visão da máscara,  a visão do mal, e quase se sente uma leprosa. Foda-se! 

O segundo reparo que tenho a fazer quanto à máscara é que houve uma altura em que me senti muito mal. Como a minha máscara tem três camadas de tecido, fiz questão de a fazer assim, para  ter a certeza que não passava nada, cheguei a um ponto em que já só andava a respirar ar saturado.

 Se nada entra, em princípio também nada sai!... 
Senti-me agoniada, tive que me encostar por duas vezes a uma prateleira para não me ir abaixo das canetas. Enfim, não foi de modo algum uma boa experiência e só não me estatelei redonda no chão, desfalecida, porque imaginei a vergonha que isso me iria causar. Já só estava a ver todo o aparato com a ambulância, o pessoal curioso, todo em meu redor, enfim. Só imaginar este cenário foi o suficiente para eu arrancar  forças não sei de onde, mas cá do mais fundo de mim, e assim lá consegui a muito custo fazer as compras. 
Ou parte delas. 

Só quando estava dentro do carro e já sem máscara é que me apercebi que me tinha esquecido de metade das coisas que pretendia comprar. Percebi que, durante o tempo em que andei dentro do supermercado e devido à falta de oxigénio puro, andei em confusão mental, muito desnorteada, nem sabia o lugar das coisas, como se nunca ali tivesse ido.

Houve também uma altura, quando me dirigia para a caixa, em que ouvi num dos corredores umas tossidelas secas e, à cautela, escolhi a caixa de pagamento que ficava no extremo oposto daquele de onde vinha a tosse.
Tinha já colocado as compras no tapete quando tornei a ouvir as tossidelas. Qual não foi a minha contrariedade ao reparar que o autor das tossidelas era quem estava precisamente um lugar atrás de mim. Voltei-me para trás e vi que era uma senhora e sem máscara. Mas ela assim que me viu com a máscara tomou de imediato um ar receoso.

Mas não estava mais receosa do que eu de certeza, que não tinha tosse.  Estive mesmo para lhe fazer o sinal de se afastar de mim e dizer-lhe que eu tinha COVID-19! 

Depois disto e já em casa, uma miríade de  pensamentos funestos não mais me abandonaram. Por conta desta cena, a partir daí, qualquer picadazita numa perna, num braço, ou uma vontade repentina de dar uma tossidela, uma reviravolta dos intestinos, e logo dou comigo a pensar que fiquei infectada. Assim, conclui  que, o mais seguro, o mais sensato, é mesmo ficar em casa. Não sair para coisa nenhuma. Quanto aos passeios com a cadelita, é uma questão de dar  dez voltas em redor do prédio e está feito. 

Mas, tal como nos diz a velha sabedoria popular, "não há bela sem senão". A cisma de ficar em casa sempre, sem ir uma vez por outra fazer compras no supermercado pode livrar-me de, nos tempos mais próximos, não ficar infectada pela COVID-19,  do que não me livra com toda a certeza é de ficar completamente destrambelhada. Para já, acho que já não falta muito... As duas doenças são más. As duas doenças são de evitar. 










Comentários

Posts mais visitados